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política e sociedade

Taiwan versus OMS

June 2, 2020

Taiwan versus OMS

A transparência e o envolvimento da sociedade civil ajudaram Taiwan a combater a pandemia da covid-19, diz um epidemiologista. O sucesso foi reconhecido internacionalmente, mas a ilha continua isolada diplomaticamente e barrada por Pequim da OMS, dizem analistas.

Localizada a apenas seis quilómetros da costa, da ilha de Kinmen, que faz parte de Taiwan, vê-se à distância a cidade de Xiamen, na China continental. Mas, apesar da proximidade, a ilha registou apenas sete mortes e 442 casos da covid-19, sendo que há mais de 50 dias que não há novas infecções.
O governo e a população taiwaneses aprenderam a lição com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla inglesa), que atingiu a ilha em 2003, e que foi identificada  pela primeira vez na China, diz ao EXTRAMUROS Chen Hsiu-Si, vice-director do Instituto de Epidemiologia e Medicina Preventiva da Universidade Nacional de Taiwan.
“Em 2003, se eu andava com uma máscara e chamava um táxi, o condutor recusava-se a levar-me. Mas hoje os motoristas não te deixam entrar sem máscara”, sublinha o epidemiologista. “As pessoas acreditam em usar a máscara e fizeram-no de forma voluntária e activa”, acrescenta.
Ao contrário de países como os Estados Unidos e a Alemanha, onde ocorreram protestos contra as restrições impostas devido à pandemia, em Taiwan os residentes acataram medidas rigorosas de distanciamento social, evitando assim o confinamento obrigatório.
Isso não quer dizer que a população tenha aceitado as recomendações de forma passiva, sublinha Yen Wei-Ting. “Toda e qualquer medida foi debatida pela sociedade civil em Taiwan, que é muito forte, e o Governo teve de mudar e adaptá-las,” disse ao EXTRAMUROS a professora do Franklin and Marshall College, nos Estados Unidos.
O envolvimento da sociedade civil, nomeadamente de voluntários e assistentes sociais, foi muito importante no sucesso do combate à pandemia, confirma Chen Hsiu-Si.
Taiwan usou a “big data”, a ciência de análise de grandes volumes de dados pessoais para identificar quem esteve em contacto com os doentes com covid-19. “Parte desse esforço foi feito pela sociedade civil”, que ajudou ainda na criação de uma aplicação para telemóvel usada para facilitar a distribuição de máscaras, diz Yen.

“Taiwan Pode Ajudar”

A presidente taiwanesa, Tsai Ing-Wen, aproveitou este sucesso para lançar a campanha “Taiwan Pode Ajudar”, que incluiu a doação de 10 milhões de máscaras a vários países. Além disso, as autoridades ofereceram-se para partilhar os sistemas electrónicos de quarentena electrónica e partilha de informação usados no combate à pandemia.
“Taiwan quer ter um papel no mundo. O nosso modelo de controlo preciso das infecções pode ser um modelo, sobretudo para ajudar países em desenvolvimento a implementar o distanciamento social com uma base científica e a lidar com a inactividade económica”, diz Chen Hsiu-Si.
Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, 35 países pediram conselhos e demonstraram interesse em cooperar com a ilha, incluindo a Nova Zelândia e Israel. Também os Estados Unidos e a Comissão Europeia elogiaram a solidariedade demonstrada por Taiwan.
O sucesso de Taiwan no combate contra o novo coronavírus também é importante para a comunidade internacional, diz Yen Wei-Ting, porque prova que “é possível em sociedades democráticas pôr as necessidades do colectivo acima das liberdades individuais e atingir um equilíbrio que toda a gente possa aceitar”.
Após a pandemia ter atingido o Ocidente, “a China tentou passar a ideia de que um Estado não-democrático seria mais capaz de lidar com uma crise como esta”, diz a professora de política. Taiwan “oferece um óbvio contraste”, acrescenta Yen Wei-Ting, com as medidas repressivas impostas pelo Partido Comunista Chinês, incluindo o reforço da vigilância electrónica.

Portas fechadas

O sucesso no combate à covid-19 aumentou a visibilidade de Taiwan na arena internacional, mas a ilha continua isolada diplomaticamente devido à pressão de Pequim. O exemplo mais óbvio em tempos de pandemia é a exclusão da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Taiwan gozava do estatuto de observador na OMS até ter sido afastada em 2016. Não é coincidência que isso tenha acontecido numa altura em que a directora-geral da OMS era a representante chinesa, Margaret Chan Fung Fu-chun, disse ao EXTRAMUROS Chen Fang-Yu, co-editor do blog ‘Quem Governa Taiwan’.
A gestão da pandemia aumentou ainda mais a tensão entre a ilha e a agência das Nações Unidas. Taiwan alega que no final de Dezembro avisou a OMS da possível transmissão entre humanos do novo coronavírus, algo que a organização nega. A polémica chegou ao ponto do director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, ter acusado Taiwan de racismo.
O Presidente norte-americano Donald Trump anunciou na semana passada que o país iria interromper o financiamento à OMS, acusando a organização de ser pró-China. Uma opinião partilhada por Chen Fang-Yu.
O especialista em ciência política lembra que em 2002 a organização criticou a China devido à SARS. “Desta vez o Dr. Tedros elogiou a resposta da China, desvalorizou a covid-19, opôs-se à interdição de voos vindos da China e recusou-se a declarar uma pandemia”, diz Chen.
A exclusão de Taiwan da OMS teve também um custo para o mundo, diz Yen Wei-Ting. “Taiwan podia ter contribuído com a sua experiência e tecnologia não apenas para países de forma individual, mas para todo o mundo, através de um mecanismo global como a OMS”, sublinha a professora do Franklin and Marshall College.
No mês passado, Taiwan levou uma proposta à Assembleia Geral da OMS para ser de novo aceite como observador, mas acabou por retirá-la à última hora. A ilha apenas tinha conseguido 22 dos 76 votos que precisava e acabou por preferir “não gastar todos os recursos diplomáticos” em vão, diz Chen Fang-Yu.

Futuro incerto

A maior visibilidade internacional de Taiwan aumentou a esperança de um maior reconhecimento diplomático da ilha, mas Chen teme que o poder económico da China continental continue a ditar cartas.
Até porque, sublinha o cientista político, o Partido Comunista Chinês não tem tido escrúpulos em usar esse poder para punir parceiros económicos. No mês foi a vez da Austrália deparar-se com restrições à exportação de minério de ferro e cevada para China, após as autoridades australianas terem apelado a uma investigação internacional sobre o eclodir da pandemia.
Talvez o Ocidente tenha acordado para a dependência face à indústria manufactureira chinesa com a corrida ao fornecimento de máscaras e de ventiladores, diz Chen. As promessas de reindustrialização da Europa, por exemplo, criam a esperança de um mundo menos dependente da China e, como tal, mais livre para pressionar diplomaticamente o regime comunista, sublinha.
Yen Wei-Ting acredita que tudo vai depender da evolução das relações entre Pequim e Washington. “Há um consenso bipartidário a emergir nos Estados Unidos contra a China e a favor de Taiwan”, diz a professora de política.
Yen falava poucas horas depois da Assembleia Nacional Popular, o parlamento chinês, ter aprovado a imposição de uma lei de segurança nacional a Hong Kong, algo que poderá levar à prisão dos activistas a favor da autodeterminação ou independência da cidade. Uma medida que levou os Estados Unidos a retirar o estatuto especial a Hong Kong, alegando que a região deixou, na prática, de ter autonomia em relação à China continental.
“Se o confronto entre a China e os Estados Unidos se aprofundar, o mundo vai essencialmente dividir-se em dois, numa nova Era Fria, e os restantes países terão de tomar partido”, avisa Yen. “A história vai provavelmente levar-nos a desfechos inesperados,” acrescenta.


Imagem de destaque: Taipé, Taiwan/ Huang Carlos (depositphotos.com)