Pequim quer reeleição da líder de Taiwan, diz académico
O governo chinês “está muito esperançado” na reeleição da actual presidente de Taiwan, diz Ding Yuhang, investigador da University College de Londres, apesar de Tsai Ing-wen ser considerada anti-Pequim e defensora da independência da ilha.
Os taiwaneses vão às urnas a 11 de Janeiro para escolher entre a actual chefe de Estado, apoiada pelo Partido Democrático Progressista, e Han Kuo-yu, o candidato do partido pró-China, o Kuomintang. Tsai lidera as sondagens, mas tem visto a vantagem diminuir nos últimos meses.
Há cerca de um mês, William Wang, um alegado agente secreto chinês que pediu asilo político na Austrália, disse que o Partido Comunista tem procurado influenciar a campanha para afastar a actual presidente de Taiwan. Mas numa conferência realizada este mês em Macau, Ding Yuhang defendeu que, pelo contrário, Pequim deseja a reeleição de Tsai Ing-wen para “procurar razões” que sustentem o espectro de “um ataque militar”.
Apesar dos esforços do governo, que incluem cortes nos impostos, a economia chinesa cresceu seis por cento no terceiro trimestre deste ano, abaixo da previsão estatal de 6,1 por cento. O professor da Universidade Fudan, em Xangai, Meng Weizhan, também presente na conferência, não afasta um “colapso económico ou revolução política”, mas defende que essa possibilidade não se coloca actualmente.
Meng lembra, no entanto, que o desenvolvimento económico tem sido “a mais importante fonte de legitimidade” para o regime chinês desde a abertura em 1978. “À medida que o crescimento económico da China abranda”, diz Ding Yuhang, Pequim poderá procurar “uma nova fonte de legitimidade”: Taiwan.
Taiwan e o nacionalismo chinês
A ilha Formosa tem sido “uma ferramenta para estimular o nacionalismo chinês e estabilizar o domínio” do Partido Comunista na China continental, diz Meng Weizhan. Ou seja, se a opinião pública chinesa chegar à conclusão de que o regime “é incapaz de atingir a reunificação”, o resultado será “ressentimento e crítica feroz”, avisa Ding Yuhang.
Em caso de “crise”, Pequim poderá atacar Taiwan “a todo o custo para salvar a sua legitimidade”, acrescenta Ding. Meng Weizhan duvida que os Estados Unidos estejam dispostos a arriscar uma guerra para proteger a ilha Formosa, mas admite que a China não seria capaz de contra-atacar.
Ainda assim, o Partido Comunista chinês não pondera uma invasão de Taiwan porque a economia do país “é ainda muito frágil” e dependente do exterior, contrapõe Ding Yuhang, acrescentando que o impacto de eventuais sanções impostas pelos Estados Unidos em caso de ataque a Taiwan seria enorme.
Desde a eleição de Donald Trump como presidente em 2016 que Washington tem reforçado o apoio militar à ilha “como um importante instrumento para contrabalançar” a influência da China, lembrou o académico. Ele deu como exemplo uma lei aprovada no ano passado pelos Estados Unidos que encoraja visitas de alto nível a Taiwan.
Um “desafio inédito ao princípio ‘uma China’”, diz Ding, a que se veio juntar o aumento desde 2018 da frequência com que navios militares norte-americanos passam pelo estreito que separa a ilha do continente. “A linha dura” tomada pelos Estados Unidos preocupa o Partido Comunista, admite o especialista em relações internacionais.
Aliás, na sexta-feira passada, o Ministério da Defesa de Taiwan avançou que o primeiro porta-aviões “made in China”, o Shandong, atravessou o estreito, algo que o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Formosa descreveu como uma tentativa de “interferir” nas eleições presidenciais.
O “falhanço” de Uma Faixa, Uma Rota
Ding Yuhang falava durante uma conferência realizada na Universidade de Macau sobre a resposta da China à Estratégia dos Estados Unidos para a região do Indo-Pacífico. Uma política descrita por Hu Bo, director do Centro de Estudos Estratégicos Marítimos da Universidade de Pequim, como “absolutamente oposta” à iniciativa chinesa Uma Faixa, Uma Rota.
Mas Ding Yuhang admite que a iniciativa “tem sido criticada por muitas pessoas na China”, incluindo “de forma eufemística” por Shi Yinhong, assessor do Conselho de Estado. A maioria dos especialistas em relações internacionais tem “receio de criticar publicamente de forma explícita” Uma Faixa, Uma Rota.
Os peritos “não entendem por que Pequim insiste em realizar grandes investimentos em outros países, numa altura em que o crescimento económico da China está a abrandar”, explica ainda investigador. Alguns acreditam que o Partido Comunista irá “mais cedo ou mais tarde” desistir a iniciativa ou “declará-la um falhanço”.
O investigador acrescenta, ainda assim, que outros académicos defendem que a iniciativa Uma Faixa, Uma Rota tem servido pelo menos para “iludir” os Estados Unidos. Aliás, ele acredita que a política externa de Donald Trump tem criado grandes oportunidades para a China.
Por exemplo, diz Ding, o regime chinês ficou “contente”, não apenas com os actos de violência durante os protestos pró-democracia em Hong Kong, mas também com a aprovação no Congresso norte-americano de uma resolução a apoiar o movimento. Esta resolução permite a Pequim “culpar Washington pelo agravar da situação” em Hong Kong, explica.
‘Bullying’ de Trump
“A atitude irresponsável” de Donald Trump para com organizações internacionais, como a Associação de Nações do Sudeste Asiático, tem beneficiado a China, defende Ding Yuhang. Por exemplo, o abandono do Acordo Transpacífico de Cooperação Económica “privou os Estados Unidos de uma arma poderosa” que teria dado jeito na actual guerra comercial com a China.
A política de “bullying e culpabilização” de Washington ajudou a afastar algumas “democracias liberais”, reforça o especislista.
Já Ye Xiaodi, professor da Universidade de Estudos Estrangeiros de Guangdong, diz que os Estados Unidos têm começado a “extorquir taxas de protecção” a alguns aliados, na forma de concessões económicas e comerciais.
O Partido Comunista chinês aproveitou para melhorar as relações diplomáticas com a União Europeia e com países vizinhos como a Índia, o Japão, a Coreia do Sul e as Filipinas, dizem Ye e Meng Weizhan.
Além disso, Ding Yuhang defende, por sua vez, que o “desprezo pelos direitos humanos” demonstrado por Donald Trump, oferece a Pequim “a oportunidade de se apresentar como um modelo de direitos humanos” e de “moralidade”.
Mesmo na China continental, conclui este investigador da University College de Londres, o comportamento do presidente norte-americano tem “desiludido em muito” os liberais, nomeadamente os elogios feitos ao fim do limite de mandatos para o presidente chinês. “A voz do liberalismo desapareceu quase por completo da opinião pública e redes sociais chinesas em 2019”, lamenta Ding.