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Troca de sanções condena Acordo de Investimento UE-China, dizem peritos europeus

March 31, 2021

Troca de sanções condena Acordo de Investimento UE-China, dizem peritos europeus

A troca de sanções devido a acusações de genocídio da minoria étnica uigur na região de Xinjiang condenou o Acordo Abrangente de Investimento entre a União Europeia e a China, assinado há três meses, ao sofrer um veto no Parlamento Europeu, dizem peritos.

“É difícil de conceber que o Parlamento Europeu coloque o processo de ratificação do acordo União Europeia (UE)-China na ordem do dia enquanto o próprio parlamento ainda estiver sob sanções chinesas”, disse ao EXTRAMUROS o deputado alemão Reinhard Bütikofer.
O presidente da Delegação do Parlamento Europeu para as Relações com a China foi um dos cinco deputados alvo de sanções de Pequim, anunciadas a 22 de Março, e que abrangeram também quatro instituições e cinco políticos e investigadores.
A imprensa estatal chinesa acusou-os de “ofenderem gravemente a soberania” do país ao “mentirem e enganarem o mundo, espalhando rumores” sobre Xinjiang e “narrativas anti-China”. Isto no mesmo dia em que a UE anunciou sanções contra quatro líderes de Xinjiang, onde activistas de direitos humanos estimam que mais de um milhão de pessoas, sobretudo muçulmanas, estão ou foram mantidos em campos de trabalho forçado.
A tensão entre os dois blocos contrasta com os sorrisos durante a assinatura do Acordo Abrangente de Investimento entre a UE e a China, a 30 de Dezembro, após negociações que duravam há sete anos.
Zsuzsa Anna Ferenczy, assessora política no Parlamento Europeu entre 2008 e 2020, já tinha na altura levantado dúvidas sobre se o acordo iria passar no crivo de deputados “muito críticos no que toca aos direitos humanos”. “É agora mais que provável que a ratificação não aconteça”, disse ao EXTRAMUROS a associada do 9dashline, uma plataforma ‘online’ dedicada ao Mar do Sul da China e ao Indo-Pacífico.
Três dos quatro maiores grupos do Parlamento Europeu já condenaram a decisão chinesa e garantiram que não irão aprovar o acordo UE-China. As sanções, diz Zsuzsa Anna Ferenczy, serviram para unir diferentes facções que já estavam insatisfeitas com o acordo.

Tweet da porta-voz do MNE da China

O sacrifício chinês

A decisão está nas mãos da maior facção, o Grupo do Partido Popular Europeu, um bloco de centro-direita, pró-empresas, que inicialmente tinha apoiado o acordo por motivos económicos, disse ao EXTRAMUROS Philippe Le Corre. “Tudo vai depender da situação das sanções. Será que a China estará preparada para as retirar?” pergunta o investigador do Centro John K. Fairbank para Estudos Chineses da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Para Zsuzsa Anna Ferenczy, a resposta é negativa. “Um dos princípios fundamentais do discurso político no interior da China é uma posição externa forte, sem recuos e sem aceitar quaisquer críticas”, diz a académica.
A China sabia que responder às sanções da UE poderia custar-lhe o acordo de investimento, lembra Philippe Le Corre. Mas o Partido Comunista, que vai assinalar 100 anos de vida, “acredita que o acordo é pouco comparado com a agenda e preocupações internas”, acrescenta.
Pequim preferiu marcar uma posição quanto a Xinjiang e isso significa que o acordo de investimento com a UE “não era tão importante para a China como nós pensávamos”, admite Zsuzsa Anna Ferenczy.
A assinatura do documento tinha já sido uma vitória chinesa em termos simbólicos, explica a investigadora, enquanto para Bruxelas o importante era proteger os seus interesses económicos e tentar abrir o mercado chinês para os investidores europeus.
Ou seja, diz Philippe Le Corre, a China até pode dizer com razão que o acordo era melhor para a UE, uma vez que o mercado único europeu está já “bastante aberto” ao investimento e produtos chineses.

Liberdades sob ataque

A chanceler alemã, Angela Merkel, foi a grande defensora do acordo, contando com o apoio do presidente da França, Emmanuel Macron. Mas com a mudança da maré política, a China tornou-se “uma canga à volta do pescoço” do líder francês, nora Reinhard Bütikofer.
Tal como já acontece nos Estados Unidos, “a China está gradualmente a tornar-se um assunto político na Europa”, avalia Philippe Le Corre, acrescentando que não pode“ imaginar muitos políticos eleitos” a defender a não-ratificação do acordo de investimento UE-China.
A tensão em torno da situação em Xinjiang demonstra que a UE “acordou para a realidade após uma década de comércio e cooperação muito próxima, à custa dos interesses europeus”, defende Zsuzsa Anna Ferenczy.
Samuel Cogolati, deputado no Parlamento Federal da Bélgica e um dos visados pelas sanções, disse ao EXTRAMUROS que “não é viável, por um lado, dizer que há graves violações dos direitos humanos e sancionar a China e, por outro lado, assinar um acordo de investimento como se nada se passasse”.
As sanções causaram “um grande choque” na Bélgica, considera o perito em direito internacional, que recebeu apoio de vários grupos políticos. “Não é uma questão de direita ou esquerda, é uma questão de certo ou errado”, defende.
“O mais assustador é que a China está a tentar silenciar pessoas democraticamente eleitas” e corroer não apenas a liberdade de expressão, diz Samuel Cogolati, mas também a liberdade académica de investigadores como Adrian Zenz, que publicou relatórios sobre os uigures, e de instituições como o Mercator Institute for China Studies, na Alemanha.
As sanções atingiram também o Comité Político e de Segurança do Conselho da União Europeia e a Subcomissão dos Direitos do Homem do Parlamento Europeu, lembra Reinhard Bütikofer. “Isto é uma provocação extrema”, defende.
Para Pequim, diz o alemão, as instituições europeias “só têm uma escolha: ou agem de acordo com os princípios do Partido Comunista Chinês ou não serão respeitadas”.
Reinhard Bütikofer visitou Hong Kong em 2019, tendo-se encontrado com activistas como Martin Lee e Joshua Wong, mas fica a partir de agora impedido de entrar em território chinês, incluindo Hong Kong e Macau. “Gostaria de poder visitar as montanhas Huangshan, Xi’an e outros sítios com enorme significado histórico e cultural”, admite o deputado europeu, “mas aceito as sanções como um motivo de orgulho”.
Já Samuel Cogolati vai avançar em Abril com audições no Parlamento Federal da Bélgica de peritos em direito internacional e refugiados uigures, abertas ao público, no âmbito de uma resolução, a primeira do género na Europa, para reconhecer o genocídio do povo uigur. As sanções “vão apenas reforçar a minha luta e a minha determinação”, garante o vice-presidente do Comité dos Negócios Estrangeiros do parlamento belga.


Imagem de destaque: Shutterstock/Novikov Aleksey

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