Os deuses que protegem os negócios
Quando andamos pelas ruas de Macau, encontramos com alguma facilidade minúsculos altares e templos à entrada das lojas. Nestes altares, à volta do incenso a arder, são muitas vezes colocadas oferendas aos deuses – maçãs, laranjas ou mesmo carne de porco ou galinha. Se passarmos por uma loja no horário de abertura ou encerramento, podemos ver como os comerciantes queimam incenso com devoção. Mas a quem estão a rezar? E para que servem estes altares?
Estes pequenos altares vermelhos são uma homenagem ao Deus da Terra ou, mais especificamente, ao Deus da Terra para a Prosperidade. Uma inscrição comum é 五方五土龍神, expressão que se pode traduzir como “o deus dragão das cinco direcções e das cinco terras”. Mas por que razão são “cinco direcções”? Não conhecemos nós apenas quatro? Depois de alguma investigação, percebi que na China antiga, falava-se em cinco: norte, sul, este, oeste e centro – isto de acordo com o wuxing (cinco elementos) – metal, madeira, água, fogo e terra, que são centrais na tradição chinesa e até na medicina chinesa.
Mas voltando ao Deus da Terra. Tradicionalmente, este deus é adorado em casa para que traga paz às famílias, boas colheitas aos agricultores, boas pescas a quem anda no mar. A prática inclui dois altares: um à porta de casa, do apartamento ou do negócio com a inscrição “o deus dragão das cinco direcções e das cinco terras”, o outro com o Deus da Terra é colocado dentro da unidade, virado de frente para a porta. Há quem diga que este representa dois deuses – o deus proprietário e o deus do terreno, que juntos são o Deus da Terra. Mas é aqui que tudo se torna mais complicado e, por isso, vou tentar focar-me no Deus da Terra como um único deus e na razão pela qual é venerado por tanta gente, incluindo por quem faz negócio.
Existem várias lendas sobre o Deus da Terra. Uma delas diz que se tratava de um cobrador de impostos da corte da dinastia Zhou. Era um homem justo e bom para o povo. Depois de morrer, aos 102 anos de idade, uma família pobre que este homem ajudou construiu um templo com quatro grandes pedras em sua homenagem. A família, que prestava culto diário ao cobrador, foi gradualmente enriquecendo. As pessoas acreditavam que esta era uma bênção do cobrador de impostos e construíram um templo, fazendo dele o Deus da Terra. Aí rezava-se à prosperidade. Esta é uma das razões pelas quais a maioria das lojas de rua tem um altar com o Deus da Terra. Acredita-se que vai trazer fortuna.
Há quem defenda que o “deus dragão das cinco direcções e das cinco terras” protege os negócios dos espíritos que chegam de todos os lados e também do mau-olhado. Retém, porém, “a riqueza secreta” (暗財) transportada por esses mesmos espíritos. Isto tem a ver com a crença de que os espíritos estão em todo o lado e podem trazer má sorte e também riqueza secreta, ou seja, dinheiro que não é adquirido pela via oficial, mas na lotaria ou no jogo ou através de crimes financeiros, como o suborno ou a lavagem de dinheiro. Claro que esta é uma das lendas e não quer dizer que os negócios que exibam altares do Deus da Terra estejam envolvidos neste tipo de crimes. A maioria pede a esta divindade por protecção do negócio e boa sorte.
Outra divindade que vemos frequentemente em todos os tipos de negócio é o Guan Gong (關公), o Deus chinês da Guerra. Qualquer pessoa que conheça o “Romance dos Três Reinos”, um dos quatro grandes romances clássicos na história da China, recorda-se deste homem leal, de cara rosada, longas barbas. Ele é um dos deuses mais reverenciados, porque, além dos comerciantes, também os agentes da polícia e os criminosos lhe prestam culto. Guan Gong é mais conhecido como o deus da bravura, da lealdade e justiça, e, por isso, é idolatrado pela polícia, que reza por coragem para apanhar os criminosos e fazer justiça. Por outro lado, os criminosos, especialmente membros das tríades, pedem coragem para levar a cabo os seus planos, lealdade e a punição de denunciantes.
Acredita-se também que o Deus da Guerra tinha a seu cargo as finanças do exército durante o Período dos Três Reinos – é provável que devido à sua lealdade e honestidade, lhe tenham sido confiadas todas as finanças do exército. Há quem declare ainda ele tinha talento na área das finanças e daí ser o tesoureiro. Por causa deste mito, o Deus da Guerra, também conhecido como Deus da Justiça, é chamado por vezes de Deus Militar da Fortuna, e aquele que pode trazer integridade e prosperidade aos negócios. Com este leque de virtudes, é óbvio que Guan Gong é venerado em todo o lado.
Às vezes também encontramos a estátua de Kun Iam (Deusa da Misericórdia) em algumas lojas, mas este facto está relacionado sobretudo com crenças pessoais, já que muitos taoistas e budistas prestam culto a Kun Iam. No entanto, a adoração do deus da terra e de Guan Gong está mais associada à tradição empresarial do que religiosa. Vários empresários ateus ou que professam outras religiões não deixam de colocar altares com o Deus da Terra dentro e fora dos negócios, e muitas vezes têm mesmo uma estátua ou um altar em honra ao Deus Militar da Fortuna. Como dizem os chineses 寧可信其有 “é melhor acreditar que existe”, ou seja, é melhor prevenir do que remediar.
Fotografia de destaque: Catarina Domingues