Festas de Abril: Qingming e Chuva de Grãos
Macau é um lugar de costumes multiculturais, exemplo máximo do encontro entre o Oriente e o Ocidente. Uma das vantagens de viver aqui são as várias festividades que se celebram quase todos os meses do ano. Neste mês de Abril, por exemplo, temos a Páscoa, que contribui para dois dias de férias: a Sexta-feira Santa, que não é suposto ser festiva, embora a celebração da morte de Cristo seja assinalada por várias paróquias e organizações católicas um pouco por toda a cidade; e depois, claro, o Domingo de Páscoa, responsável por mais um dia de férias na segunda-feira, “o dia depois da Páscoa”. Para aqueles que não são cristãos e não têm quaisquer deveres pascais, trata-se de um longo fim-de-semana.
Há quem debata que “a Páscoa não faz de Macau um mês festivo”. É verdade que esta festa é assinalada em muitos lugares e que, por isso, não é exclusiva da região. Além disso, também não é propriamente um evento de Abril, já que, por vezes, é celebrado em Março. Mas o que torna este quarto mês do ano especialmente festivo em Macau é que, além da Páscoa, temos ainda outras duas festividades: o festival Qingming (há quem escreva também Ching Ming ou Cheng Meng), que calha todos os anos a 4 e 5 de Abril, e o não tão conhecido festival da Chuva de Grãos*, assinalado a 19 ou a 20 de Abril. Na maioria dos casos, Abril é responsável por quatro comemorações, se também tivermos em conta a Vigília nocturna, na quinta-feira Santa.
Para os leitores que falam inglês ou português, penso que não será necessário explicar que tradições estão envolvidas na Páscoa. Já no que diz respeito ao Qingming, esta é uma festa exclusiva da cultura chinesa, e as práticas associadas ao festival da Chuva de Grãos poderão estar perdidas na memória da maior parte dos chineses em Macau.
O Qingming e a Chuva de Grãos são dois dos 24 termos solares criados na China antiga e associados à posição do sol. Estes termos estão divididos em quatro grupos de seis períodos pela Primavera, Verão, Outono e Inverno, sendo que cada período dura cerca de 15 dias. Estes termos indicam as estações, o clima e foram desenhados para fins agrícolas.
O Qingming, também conhecido como o “dia da limpeza das campas”, não é associado de imediato a um festival, porque, como este nome alternativo indica, trata-se de um dia para limpar as sepulturas e prestar homenagem aos antepassados. No entanto, olhamos frequentemente para o lado sombrio deste momento.
A limpeza dos túmulos não é um evento fúnebre e, por isso, o festival Qingming não é um momento de luto. Na realidade, manda a tradição que neste dia se visite em família as campas dos antepassados, para lhes dizer que estão todos bem e felizes. Como os cemitérios estavam tradicionalmente localizados em colinas, as famílias costumavam fazer caminhadas, jogar um antigo desporto semelhante ao futebol, Cuju ou kickball, e andar de baloiço. O Qingming é fundamentalmente uma celebração familiar. Nesse dia, as famílias reúnem-se, divertem-se e recordam quem já partiu.
Sendo o Qingming (que significa literalmente “claridade pura”) um dos 24 termos solares a representar o clima, este refere-se a um final de Primavera moderado. Nesse dia, o céu deve estar limpo, os campos verdes. Daí as caminhadas, o kickball. À medida que os dias começam a aquecer, o sol a brilhar, o Qingming é então o melhor dia para sair à rua e limpar as campas dos antepassados, que provavelmente estão cobertas de neve ou de uma mistura de sujidade e neve derretida.
Cerca de 15 dias depois do Qingming, assinala-se a Chuva de Grãos, que este ano acontece no próximo dia 20. Este sexto termo solar do calendário agrícola chinês marca o final da Primavera, com um aumento da precipitação, que vai beneficiar as culturas de cereais – daí o nome Chuva de Grãos.
Apesar deste festival ter sido raramente celebrado em Macau, a verdade é que representa um sinal auspicioso para um ano pleno. A Primavera está a completar o seu ciclo, o Verão prestes a começar, e o dia simboliza crescimento, não apenas das colheitas, mas de todas as criaturas da terra. E aqueles que conhecem a cultura chinesa em Macau e em Hong Kong devem saber que todos os fenómenos relacionados com o crescimento são sinal de sucesso. Para os estudantes significam boas notas, para os adultos progressão de carreira. Por isso mesmo penso que seria interessante reactivar algumas das antigas tradições. Mas e o que é que fazemos no festival Chuva de Grãos?
Uma das práticas mais conhecidas são as oferendas ao mar. Em algumas partes da China, a Chuva de Grãos marca igualmente a primeira viagem dos pescadores. Ou seja, nas aldeias piscatórias levam-se altares até à beira-mar, repletos de oferendas, leitões assados, vinho tinto, os vegetais da estação. O momento é acompanhado pelo som de tambores e gongos, do fogo-de-artifício. Servem estas oferendas para pedir segurança para os pescadores no mar, rezar por uma pesca frutífera.
Outra tradição deste festival é beber Chá da Primavera. No Sul da China, acreditava-se que este era o melhor dia para a colheita das folhas de chá. Durante a Chuva de Grãos, as pessoas preparavam a infusão com as folhas que tinham colhido momentos antes à mão – a essas folhas deu-se o nome de Chá da Primavera. Acredita-se que a bebida é boa para tratar ardores interiores, problemas de visão, e espantar maus espíritos. Apesar de poder não ser possível fazer colheita de chá em Macau, tenho a certeza que esta bebida está à venda nesse dia. Por outras palavras, esta é uma tradição que traz saúde e boa sorte.
Um outro costume que me interessa particularmente é a comemoração do Cang Jie. Quase todos os falantes de chinês já ouviram falar deste nome. Trata-se de um método que nos permite utilizar um teclado para introduzir caracteres chineses no computador. A Chuva de Grãos não tem nada a ver com essa técnica. Cang Jie é uma figura lendária que viveu há cerca de quatro mil anos, durante o reinado do Imperador Amarelo. Acredita-se que foi ele que inventou os caracteres chineses. Diz a lenda que depois de o fazer, o Imperador de Jade, soberano dos Céus, ficou tão feliz que ordenou que chovesse durante o período de seca, que calhava no dia da Chuva de Grãos. Com os grandes resultados das colheitas naquela estação, começou-se a celebrar Cang Jie durante o festival.
Temos ainda outras práticas neste festival, mas penso que com a comemoração do Cang Jie, uma celebração à cultura e ao conhecimento; a preparação do Chá da Primavera para trazer saúde e sorte; e as oferendas ao mar em nome da segurança e da abundância, teríamos o suficiente para fazer da Chuva de Grãos um momento auspicioso e um regresso às mais antigas tradições.
*Nota da tradutora: diz-se em mandarim “gu yu” (谷雨) e a tradução oficial em inglês é “grain rain”, o equivalente em português a “chuva de grãos” ou “chuva de cereais”. Optámos pela primeira por ser mais comum a sua utilização.