José Vicente Jorge – Macaense Ilustre
A literatura biográfica ou autobiográfica pesa pouco na balança portuguesa das letras. Há uma relutância qualquer que parece restringir este género. A bibliografia anglo-saxónica, por exemplo, peca pelo contrário. Dir-se-ia que poucas vidas que se salientaram por isto ou por aquilo escaparam à pena dos biógrafos anglófonos.
Na literatura portuguesa, não. Este campo continua a ser um deserto notável de tal forma que o aparecimento de algumas biografias, de tão inopinado, desencadeou verdadeiras revisões do modo de entender períodos históricos inteiros.
Estou-me a lembrar por exemplo das “Memórias de José Liberato Freire de Carvalho” (Assírio e Alvim 1982) ou das do Marquês da Fronteira e d’ Alorna (Imprensa Nacional – Casa da Moeda 1986), duas personagens que no seu tempo não passaram do segundo ou terceiro planos da política, e hoje são fontes históricas iniludíveis.
Mantiveram-se mais de um século na obscuridade de armários de família ou prateleiras de alfarrabista ao pó e ao esquecimento, mas desde que foram redescobertas, há algumas décadas, são motivo de citação obrigatória dos mais variados autores, desde historiadores a académicos, passando pelos ficcionistas, em tudo o que respeita à conturbada época das invasões francesas e do liberalismo português do século XIX.
Porquê? Porque pelos vistos outros géneros literários se esqueceram de relatar o quotidiano e a vivência real de um século inteiro.
Biografias são afinal retratos sociais de época que permanecem muito além da vida dos biografados e muitas vezes constituem retratos vivos que em certos casos, acabam por definir melhor os retratos sociais do que os próprios compêndios de história. E então quando não há história mais avulta ainda a biografia, ou a memória.
Não só por isso, mas também por isso lhe trago hoje a memória fotobiográfica de “José Vicente Jorge, Macaense Ilustre”.
Relata uma vida e uma época e acrescenta à escrita profusa ilustração sobre o homem os seus locais e as suas circunstâncias.
Vicente Jorge merecia que o arrancassem do circunscrito anonimato semifamiliar em que tem permanecido desde o seu desaparecimento desta vida em 1948. E quem o arrancou desse semianonimato foram precisamente Graça Pacheco Jorge e Pedro Barreiros, os netos do biografado, que não são escritores, mas que retratam aqui não só o avô mas metade de um século da vida de Macau.
Aliás, trata-se de uma fotobiografia extremamente bem conseguida que alia a necessária informação sobre José Vicente Jorge aos ambientes em que viveu e trabalhou.
Intérprete tradutor, esteve por dentro de muitos dos lances políticos e sociais por que Macau passou ao longo da sua vida. E não foram poucos. Pelas suas funções de intérpretes, professores e diplomatas, homens como José Vicente Jorge eram os responsáveis pela mediação cultural entre os dois mundos em que viviam: o português e o chinês.
Jorge contribuiu para este entendimento, nem sempre fácil, de forma notável. Tanto mais que o tradutor tem que ser um conhecedor de ambas as línguas, não só da sua vernaculidade como das cargas emotivas dos diversos vocábulos e expressões. O tradutor tem que compreender e assimilar o pensamento e o estado de alma que acompanha o mesmo numa das línguas, para o poder transpor com fidelidade e em grau semelhante de emoção para a segunda língua. A estas dificuldades juntavam-se as de assessoria às diversas representações de Cantão, Xangai e Pequim. E os melindres políticos que se podiam advir de toda essa carga de trabalhos? Por isso, a cultura, a política, a história e a vida social perpassam pelas 363 páginas da obra que perpassa igualmente pela arte e pela literatura.
Além de tudo o mais a edição tem outro mérito, que é ser trilingue (português, chinês e inglês), o que por si só projecta além comunidades a figura deste “Distinguished Macanese” da primeira metade do século XX, essa figura que para muitos contém facetas ainda de certo modo enigmáticas que lhe adensam o mistério da vida, facetas sobre as quais não lhe digo nada, mas que pode intuir ao ler este livro que a todos os títulos vale a pena.
Sobre a obra
Título
José Vicente Jorge, Macaense Ilustre - Fotobiografia
Autor
Graça Pacheco Jorge, Pedro Barreiros
Ano
Dezembro 2011
Edição
Albergue SCM, Sociedade de Artes Bambu Limitada
Capa
Carlos Marreiros
Páginas
363
blogextramuros
Vou ver se encontro aqui na biblioteca. Obrigada pela dica.
antónio graça de abreu
Fui à NET. Encontrei duas livrarias que têm o livro, usado, à venda por 50 euros, e existe uma crítica/recensão do António Caeiro, de 2004, no jornal Diário de Trás-os-Montes.
antónio graça de abreu
D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim (1751-1808), Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2004 ,252 pags. Autor: António Graça de Abreu Talvez se encontre o livro aí na biblioteca do Arquivo de Macau.
blogextramuros
António, como é que se chama o livro? Será que conseguimos encontrar aqui em Macau nalguma biblioteca?
António Graça de Abreu
É excelente o trabalho do Pedro Barreiros e da Graça Jorge sobre o avô, José Vicente Jorge. Já agora gostava de recordar a biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim (1751-1808), editada pela Universidade Católica numa tiragem limitadíssima e esgotada há vários anos. O livro não teve uma recensão, uma crítica, passou despercebido à intelectualidade portuguesa, que mexe, às vezes, no relacionamento entre Portugal, Macau e a China. O autor é António Graça de Abreu, eu próprio