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cultura

E onde queres cowboy, eu sou chinês

November 23, 2017

E onde queres cowboy, eu sou chinês

Moro na rua da Carmen Miranda, alinhada à Central do Brasil, perto da Rua do Oriente, e é na região central do Saara que se dá atualmente a maior concentração de chineses no Rio de Janeiro. O passado carioca de capital imperial do reino de Portugal, de navegações ultramarinas e rotas Indochina preserva e promove encontros e retornos cotidianos entre Ocidente e Oriente e outros que vão ao acaso, vão de borla, promovidos por seduções.

Compartilhamos na situação de colônia, e como capital imperial, um passado sino-afrodisíaco no campo das descobertas e trocas gustativas, estimuladas pela circulação de espécies de frutas tropicais, condimentos e grãos. Houve convivências e há memórias mesmo que esquecidas que permanecem no legado arquitetônico brasileiro, em certos hábitos e dentro de valores de organização convergentes.

A imigração chinesa no Rio de Janeiro veio a convite do rei em 1734 para o cultivo de chá em duas embarcações vindas de Macau. Uniram-se perto ao parque da Tijuca, palavra tupi para pântano, charco, lugar dentro da cultura chinesa para a beleza contida no tempo entre o lodo e a flor de lótus. Tijuca nomeia o bairro, um dos mais tradicionais cariocas. A ancestralidade chinesa recebida entre a flora, a fauna, e a tradição nativa da mata atlântica brasileira que se materializou em observatório, em Vista Chinesa, em ponto ao cume para mirar em panorâmica os ícones turísticos da cidade maravilhosa. A homenagem erguida a 380 metros de altura aos chineses faz muita gente no Rio parar.
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Hoje, os chineses se concentram no centro, num enfileirado de lojas, com mercadorias sem fim. São protegidos pelos ornamentos arquitetônicos de Mercúrio, deus do comerciante, e da classe em ascensão num Rio de Janeiro de 1900, permitem-se ao comércio fechado em feriado do comerciário. O Rio faz os chineses pararem.

Entre pausas e aproximações nos relacionamos com a China e vice-versa, há momentos de maior atração, outros de observação e ondas que se transformam em era de maior influência cultural de um em relação ao outro. A do momento é a de maior presença chinesa.

“Tijuca nomeia o bairro, um dos mais tradicionais cariocas. A ancestralidade chinesa recebida entre a flora, a fauna, e a tradição nativa da mata atlântica brasileira que se materializou em observatório, em Vista Chinesa”

Carmen Miranda deixou primeiro impressa suas digitais no Teatro Chinês, em Hollywood. Foi o mais próximo que chegou da China. Décadas mais tarde, também em Holywood, Central do Brasil, o filme, fora premiado e, ao contrário de Carmen Miranda, chegou até o Oriente fazendo sucesso na China. Via Hollywood somos retratados e assistidos através do entendimento ou dos interesses políticos que pautam parte da produção de sua indústria cultural. A esta capacidade de influenciar através da força de sua cultura outros países no cenário global, teóricos das Relações Internacionais, classificam como soft power.

No que tange os olhares diretos para produções audiovisuais brasileiras, conseguimos reproduzir na China entre os anos de 1986 e 87, o sucesso de audiência registrado com a novela “Escrava Isaura”. À época, a transmissão foi movida pelo cenário de crise econômica por falta de investimentos no setor do audiovisual chinês, em meio as adaptações de sua indústria cultural e em função da convergência dos valores exibidos. Este drama com protagonismo da escravidão feminina, estabeleceu nossas semelhanças na tradição rural patriarcal, aproximando certos preceitos do confucionismo ao nosso coronelismo e, mesmo que sem intenção, foi um caso de imenso sucesso no canal aberto chinês. Em circuito alternativo de anos mais recentes, os chineses acompanham boa parte da nossa produção cinematográfica com entusiasmo; cantam animados sucessos que incluem Kaoma, Bossa Nova e até Michel Teló; possuem e apreciam as versões traduzidas de Paulo Coelho. Somos lidos e transmitidos cotidianamente em rede nacional chinesa através de seus correspondentes internacionais e o trio de embaixadores brasileiros: samba, futebol e carnaval mais do que um clichê há tempos foi assimilado.

Em sentido contrário chegam os games, as animações, os Institutos Confúcios, as apostas cinematográficas, os misticismos milenares já difundidos em pandas, bambus, horóscopos e kung fu, os grandes conglomerados e as empresas chinesas, mas em especial chegam os chineses e sua cultura. Atraídos pelo ímpeto do BRICS, pela relação estratégica declarada da China com o Brasil e pelas condições e oportunidades oferecidas entre e por estes dois atores. Do passado de China Tropical constituído pelo legado sociológico de Gilberto Freyre, que procurou versar os orientalismos na sociedade brasileira, ao cancioneiro da música popular brasileira em composição de Caetano Veloso, que intitula este artigo, há sempre maneiras de nos encontrarmo também no outro, no similar possível que há em nós e nos diferencia.

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