Rodrigues, o intérprete – Um jesuíta no Japão e na China
Há pessoas que têm vidas extraordinariamente ricas, influem decisivamente na sociedade onde vivem, quer na política, quer nas artes, ou na literatura, deixam obra feita e depois somem-se da memória como se nunca tivessem existido. Um destes casos é o de João Rodrigues, um jesuíta do século XVII, produto da antiga Universidade de S. Paulo em Macau, a primeira instituição de ensino superior (tal como era concebido no Ocidente) a operar na China.
A maioria dos jesuítas que por aqui passavam e se formavam nesses tempos, viriam a distinguir-se particularmente nos ramos das ciências, já que muitos se destinavam a integrar o corpo de astrónomos do observatório imperial de Pequim. Por isso, ainda hoje se encontram as memórias de vários que deixaram a sua marca nas matemáticas, astronomia, botânica, nas artes, ou nas letras.
João Rodrigues, no entanto, não o faria estritamente nesses campos, mas sim também no da política, tendo sido ao tempo uma das mais influentes figuras na corte imperial do Japão, numa primeira fase, e mais tarde na da China.
A sua função era a de intérprete, mas as suas aptidões levaram-no a exceder largamente as de um mero tradutor passivo e muito menos alheado do mundo que o rodeava. O seu biógrafo Michael Cooper, S. J. é o primeiro a admirar-se de tão grande omissão, ao salientar que “o aspecto mais importante do seu estudo seja o facto deste jesuíta português ter tido que aguardar três séculos e meio por uma biografia. Poucos homens tiveram uma vida mais aventurosa. Durante os seus cinquenta e seis anos no Japão e na China conquistou a amizade dos dirigentes Toyotomy Ideyoshi e Tokugawa Ieasu, teve um papel activo no comércio da seda entre a China e o Japão e, durante alguns anos, foi o mais influente europeu em Nagasáqui e, para todos os efeitos, no Japão em geral”.
Pois é verdade, como diz Cooper, foram necessários mais de três séculos para trazer de novo à memória a notável vida e obra de João Rodrigues, um jovem humilde, nascido em Sernancelhe, uma pequena vila da Beira Alta quase tão ignorada como ele próprio.
João Rodrigues, padre jesuíta que viveu entre os séculos XVI e XVII, chegou ao Japão com apenas 16 anos e depressa adquiriu um profundo conhecimento da língua japonesa, que o iria tornar conhecido como O Intérprete. Graças ao prestígio dos jesuítas já alcançado no Japão, ganhou com facilidade os favores de Hideyoshi, o xógum reinante. Convém lembrar que o xógum, ou primeiro-ministro, era quem de facto governava, em vez do imperador. Assim, conseguiria interceder em favor da causa portuguesa. Faria a mesma coisa, mais tarde junto da corte imperial da China.
Entre as várias obras que deixou escritas, conta-se o primeiro dicionário de japonês-português. Não vou sequer resumir a vida de João Rodrigues, que foi recheada de episódios que nada ficam a dever à Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, mas vou falar um pouco do autor deste livro.
Chama-se Michael Cooper, é padre jesuíta e nasceu em Londres. Frequentou o Beumont College, antes de entrar em 1948 para a Companhia de Jesus. Depois de estudar em Espanha vários anos, foi para o Japão, onde frequentou a escola de japonês de Kamakura. Ensinou na Universidade de Sofia, em Tóquio, após o que regressou a Inglaterra para completar os seus estudos. Em Oxford escreveu a sua tese de doutoramento precisamente sobre a vida e obra de João Rodrigues. Depois regressou ao Japão retomando o ensino e publicou diversos livros.
A biografia de João Rodrigues, a que aqui nos referimos, tradução da edição inglesa dada à estampa em Tóquio, em 1974, é das edições Quetzal e foi publicada em 1994.
Esta obra, que por vezes se assemelha mais a um livro de aventuras e de intriga internacional do que a uma biografia pura e dura de um padre que viveu nos confins da história e do Mundo, sugere duas perguntas. Porquê tão tardia biografia? Porque é que nunca antes suscitou o interesse de nenhum investigador português? Vá-se lá saber!
Sobre a obra
Título
Rodrigues, o intérprete - Um jesuíta no Japão e na China
Autor
Michael Cooper, S.J,
Ano
1994
Edição
Quetzal
Maria Emília Corrêa Aniceto
Eu fiz um estudo longo sobre João Rodrigues nos anos 90 só que devia ter defendido a minha tese quando cheguei de Macau. Por motivos familiares não a cheguei a defender. Tenho muita pena. Julgo ser um trabalho importante que não foi publicado.. Maria Emília Aniceto.
A. E. Maia do Amaral
Não admira que tenha levado 3 séculos a ser reconhecido, se só em 1916 António Baião começa a distingui-lo do contemporâneo João Rodrigues Girão...