30 anos revista MACAU: A carimbadela no umbigo
No início do décimo oitavo dia da quinta lua, seguindo o calendário chinês, decorre um ritual no templo de Na Cha, entre as travessas de D. Quixote e de Sancho Pança, a que se chama “carimbadela no umbigo”. Trata-se de uma cerimónia “protectora e demonífuga”, conforme se lê num artigo de Cecília Jorge, publicado na edição de Junho de 1992 da revista MACAU.
Reza a tradição que, chegados a esse dia, os pais levam as crianças ao templo de Na Cha, para essa “carimbadela” que teria a validade de um ano, “já que os velhos carimbos de madeira são guardados e selados depois do ritual”.E, se no início dos tempos se destinava apenas “a crianças de tenra idade — alvo preferido dos espíritos perniciosos, sempre à espreita de carne tenra e apetitosa”, já então se havia estendido a todos os que buscavam prevenção ou alívio de qualquer mal. “E carimba-se onde for preciso, onde quer que doa ou que funcione mal. É de aproveitar, porque é muito eficiente”, dizia uma guardiã voluntária do templo, citada nesse artigo. Além da marca no corpo, quem quiser pode também levar um certificado “numa folha de papel-vento amarelo, a cor preferida para as práticas exorcistas que envolvem crianças”, lê-se na reportagem.
O culto de Na Cha é bairrista e “a sua comunidade de afilhados” é dedicada, regressando sempre, nesta altura do ano, para a festa. Na Cha é considerado “o deus-traquinas”, por “ser tão dado a travessuras que o pai era frequentemente forçado a prendê-lo numa gaiola especial, já que se evadia com facilidade das outras”. Além disso, “tinha rodas nos pés” que asseguravam “uma velocidade vertiginosa sempre que fugia de algum castigo”.
Costuma contar-se às crianças que “a maior das suas partidas foi a de não ter querido nascer findo o prazo de gravidez da mãe. Sentia-se tão bem dentro do seu ventre que, baldadas várias tentativas, foi preciso ludibriá-lo para que saísse, ao fim de três anos.”
Revista MACAU, Série II, n.º2, Junho 1992
[Este texto faz parte de uma série do Extramuros em que se recuperam alguns dos momentos que marcaram as três décadas da revista MACAU, uma das mais antigas publicações em língua portuguesa ainda em circulação]
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