Mulheres que escrevem a História da China
Activistas, astronautas, políticas ou jogadoras de xadrez. Neste 8 de Março, damos-lhe a conhecer um pouco mais sobre a China através da história de dez mulheres.
Chai Ling (柴玲; 15.04.1966 – Rizhao, província de Shandong)
Líder do movimento estudantil pró-democracia de Tiananmen
Filha de dois médicos do Exército de Libertação Popular, Chai Ling foi, ao lado do ex-marido Feng Congde, uma das figuras mais importantes dos protestos pró-democracia de 1989, esmagados pelas autoridades chinesas a 4 de Junho desse ano.
A jovem, então com 23 anos, participou no movimento, primeiro como secretária do Comité Preparatório da Universidade de Pequim, cuja liderança pertencia ao então companheiro Feng Congde e, mais tarde, como uma das líderes da greve de fome, que marcou a luta estudantil e dividiu os estudantes.
Após o exército chinês ocupar a Praça da Paz Celestial (Tiananmen), num massacre cujo número de mortos ainda hoje é objecto de discussão, Chai e Feng deixaram Pequim, passando os meses seguintes escondidos com o apoio de várias organizações.
A 13 de Junho de 1989, o Ministério da Segurança Pública emitiu um mandado de captura com nomes de 21 estudantes, por ordem de importância. Chai Ling apareceu em quarto lugar, depois de Wang Dan, Wu’er Kaixi e Liu Gang. Um ano depois, é nomeada para o Prémio Nobel da Paz.
Há décadas a viver nos Estados Unidos – e com nacionalidade norte-americana – a activista e empresária está á frente da All Girls Allowed, organização que fundou para lutar contra a política do filho único, na China, e da Jenzabar, consultora na área da educação superior.
Chloé Zhao (赵婷; 31.03.1982 – Pequim)
Realizadora; primeira asiática a vencer Globo de Ouro na categoria de Realização
Natural de Pequim, Zhao Ting (nome chinês), cresceu com o pai, antigo administrador de uma empresa siderúrgica estatal. Ainda jovem, foi enviada para um colégio interno em Londres e, mais tarde, para Los Angeles, onde terminou o secundário. Graduou-se em Ciências Políticas, em Massachusetts, e em Cinema, pela Universidade de Nova Iorque, onde teve como professor Spike Lee e conheceu James Richard, companheiro de vida e de trabalho.
Estreou-se na sétima arte em 2015, com “Songs My Brothers Taught Me” e, três anos depois, lançou “Rider”, premiado por Cannes. Chloé Zhao reinventou os célebres westerns norte-americanos nestas duas obras cinematográficas.
Já “Nomadland” (2020), uma odisseia que retrata um grupo de americanos que viajam pelo país e vivem de empregos precários, venceu o prémio de melhor filme na última edição dos Globos de Ouro. Para Chloé Zhao foi também o galardão de melhor realizadora, tornando-se assim a primeira mulher asiática a conquistar a distinção e a segunda mulher desde Barbara Streisand, em 1984.
O sucesso da realizadora foi acompanhado com entusiasmo pela China, com os meios de comunicação do país a sublinhar a conquista da “realizadora chinesa”. Porém, a polémica e a indignação instalaram-se quando foram desenterradas antigas declarações de Zhao Ting, em que esta afirmava que a China era “um lugar onde há mentiras por todo o lado” e que os Estados Unidos eram o seu país.
A estreia de “Nomadland” nos ecrãs chineses está programada para o dia 23 de Abril, embora a data já não apareça nas principais plataformas de cinemas nacionais.
Hou Yifan (侯逸凡; 27.02.1994 – Xinghua, Jiangsu)
Mulher mais jovem a vencer o título de Grande Mestre em xadrez; quatro vezes campeã mundial
Foi através do pai, Hou Xuejian, que a jovem chinesa começou a observar este jogo de tabuleiro. Aos seis, iniciou-se definitivamente como xadrezista, embora reze a lenda que já vencia vários membros da família antes disso. O primeiro título surgiu em 2003, apenas com nove anos de idade, num frente a frente contra Ye Jiangchuan, técnico das selecções masculina e feminina nacionais.
Nesse mesmo ano, Hou integrou a equipa chinesa e conquistou o título máximo no Mundial para jovens com menos de 10 anos. Quatro anos depois, em 2007, Hou tornou-se a mais jovem campeã chinesa de xadrez.
Aos 14 anos, destronou a húngara Judit Polgar que era, até então, a mais jovem Grande Mestre Internacional de todos os tempos.
Recentemente, a série da Netflix ‘O Gambito da Rainha’ voltou a abrir o debate sobre a falta de mulheres neste desporto, ainda dominado por homens. O russo Garry Kasparov, nome incontornável do xadrez, chegou a dizer que não era uma actividade para mulheres, retratando-se de seguida.
Hou Yifan, actual número um no xadrez feminino, disse à BBC que, embora haja hoje mais mulheres a competir, ainda há espaço para encorajar jovens a iniciarem-se nesta arte.
Hua Chunying (华春莹; 04.1970 – Huaian, província de Jiangsu)
Porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China
Figura conhecida do público (chinês e estrangeiro), Hua Chunying aparece frequentemente nas televisões do mundo inteiro para dar voz às posições do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) da China. Trata-se da 27.ª porta-voz (e a quinta mulher) desde que a posição foi estabelecida por este ministério, em 1983.
Hua nasceu numa família de quadros do Partido Comunista: o pai era ex-secretário da Comissão de Inspecção Disciplinar, em Huaian, e a mãe tinha uma posição de direcção num concelho.
Logo após licenciar-se em Inglês pela Escola de Línguas Estrangeiras da Universidade de Nanjing, em 1992, Hua integrou o MNE chinês: passou pelo departamento da Europa Ocidental, fez parte do corpo diplomático em Singapura; foi conselheira da missão chinesa na União Europeia; e em 2019 foi promovida a directora do Departamento de Informação. Trata-se da segunda mulher no cargo, depois de Gong Peng.
De acordo com o jornal Taiwan News, uma publicação pró-independência, em 2018, a ausência prolongada da porta-voz levantou suspeitas de estar a ser investigada por armazenar cinco milhões de dólares em casa, onde também teriam sido encontrados documentos que sugeriam uma mudança para os Estados Unidos. Os rumores foram desmentidos e, em Março desse ano, Hua voltou a ocupar posição de porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Com uma conta no Twitter, também esta política é adepta da diplomacia via redes sociais, tendo repetidamente utilizado estas plataformas para responder a Donald Trump. Em reacção às críticas norte-americanas à polémica lei de segurança nacional implementada em Hong Kong, Hua apareceu a citar George Floyd, afro-americano morto às mãos da polícia dos Estados Unidos. “I can’t breath”, escreveu no Twitter.
Casada e com uma filha, sabe-se da porta-voz que gosta de jogar ténis.
Li Yinhe (李银河; 04.02.1952, Pequim)
Socióloga, activista LGBT e primeira sexóloga mulher na China
Activista, defensora de encontros sexuais fortuitos, da descriminalização da pornografia, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, Li Yinhe anda há décadas a chocar as mentes mais conservadoras do país. Há poucos anos, depois de um blogger a acusar de ser uma ‘lésbica recalcada’, Li anunciou que o seu parceiro de mais de uma década era transgénero.
Nasceu em Pequim e, à semelhança do irmão mais velho, adoptou o apelido da mãe, o que ainda hoje é pouco comum no país, embora reflexo de uma família que defendia ideais de igualdade entre géneros. O pai tinha uma posição de chefia no jornal People’s Daily e a mãe era editora na mesma publicação.
Entre 1974 e 1977, a jovem pequinense estudou História na Universidade de Shanxi, mudando-se em 1982 para os Estados Unidos onde se doutorou em Sociologia pela Universidade de Pittsburgh.
Ao regressar à China, integrou o Instituto de Sociologia da Academia Chinesa de Ciências Sociais como investigadora, até se reformar, em 2012. Nos anos 1990, como parte da pesquisa que fez sobre a homossexualidade, traduziu textos de Judith Butler, Steven Epstein e Gayle Rubin.
Em 2000, durante a consulta que o governo chinês fez a especialistas para a revisão da lei do matrimónio, Li sugeriu a inclusão do casamento entre pessoas do mesmo sexo no diploma. Desde esse ano que a socióloga tem vindo a consultar deputados à Assembleia Popular Nacional para que entreguem a proposta, embora sem sucesso.
Liu Xia (刘霞; 01.04.1961 – Pequim)
Poetisa e activista
“Quero casar com esse inimigo do Estado”, sublinhou Liu Xia pouco antes de celebrar o matrimónio com Liu Xiaobo. As declarações, registadas em 1996 por Yu Jie, autor de uma biografia do dissidente chinês, deixavam antever o futuro desta jovem poeta, fotógrafa e pintora, que viveu oito anos em prisão domiciliária na sequência do activismo do marido.
A 8 de Dezembro de 2008, dois dias antes de lançar a Carta 08, um manifesto assinado por 303 intelectuais e defensores dos direitos humanos para promover a reforma política e a democratização no país, Liu Xiaobo foi detido pelas autoridades chinesas e condenado a 11 anos de prisão por “subversão do poder do Estado”.
Ao tornar-se o primeiro cidadão a receber o prémio Nobel da Paz, em 2010, Liu Xia foi colocada pelas autoridades em prisão domiciliária, estando praticamente privada do contacto com o mundo exterior. Por parte de amigos, surgiram relatos de depressão e de uma saúde fragilizada.
Foi libertada apenas em 2018, já depois do marido (que chegou a visitar no hospital de Liaoning) morrer de cancro do fígado. Mudou-se nesse mesmo ano para Berlim.
Das obras de Liu Xia, destaque para “The Silent Strength of Liu Xia”, uma selecção de 25 fotografias a preto e branco, produzidas entre 1996 e 1999, período durante o qual o marido cumpriu uma segunda temporada num campo de reeducação. As fotografias foram expostas nos Estados Unidos, na Universidade de Columbia, depois do académico e amigo francês Guy Sorman conseguir sair da China com o material.
Em 2015, foi lançada “Empty Chairs” uma colecção bilingue de poesia, escrita entre 1983 e 2013 e editada pela Graywolf Press.
Liu Yang (刘洋; 06.10.1978 – Zhengzhou, província de Henan)
Astronauta e primeira mulher chinesa no espaço
É descrita como uma comunicadora eloquente, uma apaixonada pela leitura e pela cozinha, mas pouco se sabe sobre a primeira mulher chinesa que viajou até ao espaço.
Liu Yang nasceu e cresceu no seio de uma família de Linzhou, na região de Anyang, província de Henan. Foi bem mais a norte, na Universidade de Aviação da Força Aérea do Exército de Libertação Popular, em Changchun, capital da província de Jilin, que completou os estudos. Juntou-se à Força Aérea em 1997.
Com mais de 1700 horas de voo e dois anos de treino como astronauta, Liu foi uma das seleccionadas para se juntar à equipa Shenzhou IX, participando na primeira missão tripulada à estação espacial Tiangong 1, juntamente com Jing Haipeng e Liu Wang. A missão realizou-se em 2012, exactamente 49 anos depois de uma mulher o ter feito pela primeira vez – a russa Valentina Tereshkova.
“De uma forma geral, as astronautas mulheres têm mais estabilidade psicológica e maior habilidade para lidar com a solidão”, afirmou Wu Ping, porta-voz de Liu Yang.
“Na selecção, temos praticamente os mesmos requisitos para mulheres ou homens candidatos, mas a única diferença é que elas têm de ser casadas, porque acreditamos que as mulheres casadas podem ser física e psicologicamemte mais maduras”, disse ainda à agência de notícias chinesa Xinhua um dos responsáveis pelo programa espacial chinês, Zhang Jianqi.
A informação viria mais tarde a ser negada por outro responsável que realçou que este estado civil era uma preferência, mas não um obstáculo.
Maggie Cheung (张曼玉; 20.9 1964 – Hong Kong)
Actriz e primeira chinesa a ser eleita melhor actriz no Festival de Cinema de Berlim
Em 2019, o jornal The Guardian publicou a lista dos 100 melhores filmes do século XXI e apenas um trabalho asiático conquistou o top5. “Alguma vez se viu um casal mais bonito na história do cinema que não fosse Tony Leong e Maggie Cheung”, questionou o crítico do jornal britânico, referindo-se à parceria dos actores no filme “In the Mood for Love”, do realizador Wong Kar-wai.
Na realidade, foi a beleza de Maggie Cheung que a levou, primeiramente, até ao mundo do espectáculo.
A actriz, que cresceu em Londres, no Reino Unido, para onde a família se mudou quando tinha apenas oito anos, iniciou uma carreira de modelo ao regressar a Hong Kong, em 1982. No ano seguinte, venceu o título de Miss Fotogenia no concurso Miss Hong Kong.
No cinema, esta poliglota (fala inglês, francês, cantonês, mandarim e xangainês), iniciou-se na comédia com “Police Story” (1985), de Jackie Chan, mas Maggie diz que foi com “As tears Go By” (1988), a primeira de muitas colaborações com Wong Kar-wai, que Cheung iniciou verdadeiramente a carreira de actriz.
Trabalhou, além disso, com vários realizadores conhecidos, como Olivier Assayas – foram casados entre 1998 e 2001 – Zhang Yimou e Quentin Tarantino.
Em 1991, tornou-se a primeira chinesa a vencer o prémio de melhor actriz no Festival de Cinema de Berlim, com o trabalho “Center Stage” (1991) de Stanley Kwan.
Fez a sua última participação num filme em 2010, dedicando-se desde aí a outras áreas.
Sun Chunlan (孙春兰; 05.1950 – Raoyang, província de Hebei)
Vice-primeira ministra
Sun Chunlan é a mulher mais poderosa na política chinesa e a única que se senta entre os 25 membros do Politburo do Partido comunista Chinês (PCP), a segunda instância do poder na China.
Depois de se formar em Mecânica pela Academia Industrial e Tecnológica de Anshan, na província de Liaoning, Sun Chunlan começou a trabalhar numa fábrica de relógios, onde rapidamente escalou na hierarquia.
Sun integrou o PCP nos últimos anos da Revolução Cultural, em 1973, sendo transferida mais tarde para uma fábrica têxtil, para ocupar o cargo de administradora. Em 1988, foi nomeada presidente da Federação das Mulheres de Anshan.
Antes de percorrer os corredores de Pequim, estreou-se na liderança provincial. Aos 45 anos – e numa conquista rara na China – integrou o Comité Permanente do Partido da província de Liaoning. Em 2009, desceu a Sul, para ocupar o mais alto cargo do Partido na liderança da província de Fujian. Foi a primeira mulher a fazê-lo desde Wan Shaofen, líder da província de Jiangxi nos anos 1980.
Poucos anos depois, em 2012, ocupou o mesmo lugar em Tianjin, integrando desde aí as fileiras do Politburo do Partido Comunista Chinês. Sun é desde 2018 vice-primeira ministra do país.
Zhang Zhan (张展; 02.09 1983 – Xianyang, Shaanxi, China)
Jornalista cidadã
Zhang Zhan viajou para Wuhan em Fevereiro do ano passado para investigar o surto da covid-19 e a campanha de prevenção contra a doença. A jovem denunciou a detenção de jornalistas independentes e o assédio às famílias das vítimas do novo coronavírus que procuravam apurar responsabilidades junto das autoridades. Zhang revelou, além disso, que os crematórios trabalhavam noite e dia, numa altura em que a comunicação social estatal assegurava que a pandemia estava controlada.
Em Maio, a jovem desapareceu, tendo mais tarde as autoridades revelado que se encontrava detida em Xangai.
O advogado da defesa denunciou as autoridades de torturem a sua cliente ao longo de três meses: além de ser mantida permanentemente com algemas, durante o período que fez greve de fome, Zhang era alimentada à força através de um tubo e com as mãos presas.
Zhang Zhan, cuja libertação tem sido reclamada pela comunidade internacional, foi condenada a quatro anos de prisão por “causar distúrbios” e “procurar problemas”.
Licenciou-se em Finanças pela Universidade do Sudoeste de Finanças e Economia, na capital da província de Sichuan, Chengdu. É cristã praticante, de acordo com uma biografia da jornalista-cidadã na Wikipédia.