A roupa suja das redes sociais
O primeiro caso num surto de Covid-19 que se espalhou a partir do maior mercado abastecedor de Pequim, após meses sem novas infecções na capital chinesa, foi anunciado a 11 de Junho. “Está toda a gente a falar sobre isso na Weibo”, disse a minha esposa, “embora com a suspensão seja difícil perceber bem”.
Apesar de ter uma conta na rede social chinesa Sina Weibo, a constante censura faz com que raramente a use. Por isso mesmo, nem tinha reparado que a actualização das listas dos temas mais populares – semelhante à do Twitter – e outra dos temas mais procurados pelos utilizadores tinha sido suspensa, entre 10 e 17 de Junho, por imposição do regulador da Internet.
A Administração do Ciberespaço da China (CAC, na sigla inglesa) acusou a Sina Weibo de “perturbar a ordem das comunicações ‘online’” e de “espalhar informação de forma ilegal” num “incidente de opinião pública ligado a Jiang”.
O Jiang em questão é Jiang Fan, o então presidente da gigante chinesa do comércio electrónico Alibaba para as plataformas Taobao e Tmall, que se viu envolvido num escândalo de adultério com Zhang Dayi, uma ‘influencer’ digital chinesa. A polémica rebentou em Abril, quando a esposa de Jiang Fan recorreu à Sina Weibo para acusar e ameaçar Zhang Dayi.
A trama adensou-se quando os cibernautas chineses questionaram se Jiang Fan teria usado a sua influência na Alibaba para beneficiar a amante. Isto porque em 2016 a Alibaba adquiriu uma participação na Ruhnn Holding Ltd, empresa de comércio electrónico da qual Zhang Dayi é directora de marketing. O apoio da Alibaba permitiu à Ruhnn listar-se na bolsa norte-americana Nasdaq.
Subitamente, a Weibo apagou todas as publicações sobre o escândalo e bloqueou novos comentários no perfil da esposa de Jiang Fan – medidas geralmente tomadas apenas devido a uma ordem do Partido Comunista Chinês e ligada a temas politicamente sensíveis. A invulgar decisão levou os cibernautas chineses a acusar a Alibaba – a segunda maior accionista da Sina Weibo – de manipular a opinião pública ao obrigar a rede social chinesa a censurar notícias negativas para a empresa de comércio electrónico. O sucinto comunicado da CAC fez pouco para dissipar estas suspeitas, ao avisar a Sina Weibo que não deve “interferir de forma aleatória com a apresentação normal da informação” na rede social.
A Alibaba disse numa nota enviada aos trabalhadores, citada pela Reuters, que uma investigação interna tinha concluído que o investimento da empresa na Ruhnn “não tinha tido nada a ver” com Jiang Fan. Ainda assim, o executivo – visto como um potencial futuro presidente do grupo fundado pelo multimilionário Jack Ma Yun – acabou despromovido por, ao lidar “de forma inapropriada com assuntos de família”, ter “despoletado uma grave crise” que afectou a reputação da empresa.
Ignaras vedetas
A lista da Sina Weibo sempre foi manipulável, uma vez que há empresas chinesas que prometem ajudar a colocar qualquer tema ou assunto no ranking. Um lugar entre os três primeiros custava 50 mil yuan (cerca de 6.300 euros), revelou até o próprio jornal estatal chinês Global Times, que acrescentou que o preço deverá aumentar após a intervenção do regulador. Ainda assim, desde que foi lançada, em 2010, a lista tinha sido uma maneira conveniente para os cibernautas – alguns dos quais demonstraram alegria quando a suspensão terminou – descobrirem os últimos rumores sobre as celebridades chineses.
Mas, segundo “analistas” anónimos citados pelo Global Times, é provável que a Sina Weibo passe a limitar a presença na lista de notícias sobre celebridades, sobretudo quando se trata de conteúdo considerado negativo. Aliás, assim que a suspensão terminou, no dia 17, às 3 da tarde, a lista incluía entre os temas mais populares notícias “sérias”, incluindo os novos casos de Covid-19 na China continental, a história do norte-americano que recebeu uma conta de mais de um milhão de dólares após ter sido hospitalizado com Covid-19 e o conflito fronteiriço entre a China e Índia.
A Sina Weibo “deve ser punida”, escrevia um outro jornal estatal, o China Daily, “para garantir um ciberespaço limpo e saudável”. A suspensão aplicada à rede social reflecte a política do Partido Comunista Chinês de atacar tudo o que considera ser de gosto duvidoso.
No mesmo dia em que a Sina Weibo foi punida, também o regulador televisivo da província de Hunan, no sul da China, suspendeu a emissão de uma série de desenhos animados devido às “cores inapropriadas” do cabelo das personagens. Duas semanas depois, a CAC voltou à carga, punindo as 10 maiores plataformas chinesas de transmissão ao vivo por um “fenómeno nocivo”: a promoção de mulheres com decote a dançar de forma sugestiva e de homens que dizem palavrões. Ainda assim, apenas oito horas depois da suspensão ser levantada, a lista dos 10 temas mais populares na Sina Weibo já incluía seis anúncios publicitários ou publicações de celebridades a fazerem marketing. O regime comunista pode ser conservador, mas o capitalismo chinês encontra sempre um caminho.