Aonde o Rio é mais chinês: Alter egos do inconsciente
Em vista que despista o horizonte de chinês
Em Cristo aberto depois de montanha
Por cima de nuvem
neblina que se desfez
Em bonde moderno
Que intriga e desperta a atenção de chinês
Tijuca floresta
História aberta
Legado e presente que se refez
Sabores da terra
Ruídos sonidos de línguas distintas
No encontro do gosto
Do que convém
Sabores memórias
Refúgio seguro
De todo alimento
Robustez
Copos em brindes
Celebram motivos
Bebidos aos goles (in)sensatez
Frouxo é o riso
Depois deste abrigo
Que o Rio oferece
Sendo chinês
O Rio de Janeiro, cidade que já foi imperial, ex-capital da República tropical, segue sendo o destino turístico principal no Brasil. Os chineses aparecem com frequência, amigos, turistas, executivos. Vivem, experimentam e visitam o Rio. Eu recebo-os. E assim com eles também descubro a cidade através dos olhares alhures, a partir da sua visão. Oriento-me.
Esta interação não é nova ou inédita. Basta recuar a 1828, época a que a convite do Rei Dom João VI, embarcações macaenses já haviam chegado ao Rio de Janeiro e a presença de negociantes dedicados à importação de artigos do Oriente era uma realidade. Em 1840, o cenário mudou ligeiramente, com o Ocidente e a sua revolução industrial pungente a precisar de novos mercados consumidores emergentes.
O legado sino-lusófono de hábitos, pertences e pertencimentos na relação histórica entre Brasil-Portugal e Macau foi alterado pelo vapor dos ares da revolução industrial que se impôs. Trouxe a questão do embranquecimento de uma população que não se pretendia mais amarela. Havia nesta altura a preocupação no Brasil de manipular o curso da formação de sua população e a preocupação da elite em torná-la branca, eurocêntrica. O deslumbre que somaria as ambições anglo-saxônicas que mais tarde também abrigaria em tratados os aforismos norte-americanos.
E desta forma houve um intervalo no olhar e sentir do Brasil da sua própria sinoforia – a euforia trazida e usada da sinologia. A esta ancestralidade da China no Brasil, o antropólogo brasileiro Gilberto Freyre chamou de China Tropical, graças (não apenas) à transculturação, ou seja, à adoção das exterioridades e símbolos “exóticos”, favoráveis à alteração de modos de sentir e de pensar. Concretizou-se ainda em palanquins, em leques, em coretos, em rendas, sedas, porcelanas, em mangas e mais atualmente também em mangás.
Exponho o sentir bem em transitar pelas comunidades, e me refiro à comunidade chinesa no Rio de Janeiro, por motivos de afeição a Pequim, a toda a China e aos nove anos que lá vivi, e que já não existem mais, apesar desses habitantes desse tempo serem possíveis de serem encontrados. E quando o são há festa tímida, uma celebração do reconhecimento dos alter egos do inconsciente.
E digo-o a pensar na obra de Lin Yutang, escritor chinês muito traduzido, inclusive em português. Sua obra cheia de humor e ironia menciona a “China como um país terrivelmente seguro de si. O povo chinês cheio de senso comum e que exalta o seu senso comum à custa da lógica. Se havia alguma coisa de que chineses fossem incapazes era o raciocínio científico que estava totalmente ausente de sua literatura”.
São palavras de Lin Yutang, que não considerou entretanto o mérito chinês a ser reconhecido diante da criação de um novo gênero literário, a literatura fantástica. Gênero que há e que contém imensa bagagem de conhecimento das tentativas todas científicas às quais os chineses se dedicaram. Surgindo mais recentemente e despontando através da criação de um novo gênero literário: ficção ultra-irreal.
Lin Yutang descreve num ímpeto sublime que “o espírito do chinês possuía a arte de desprezar o que não é essencial e conservar o firme domínio do essencial à vida. Já na década de 50 afirmava que o povo chinês e a grande parte dessa sabedoria e do senso comum estava perdida, e que o bom senso que distinguia a antiga vida chinesa estava agora avariado”. Acreditava já nesta altura do século passado que o chinês moderno era um indivíduo rixento, caprichoso e neurastênico, tendo perdido sua índole equitativa com a perda da confiança em si mesmo. Perda esta motivada pelos infortúnios da vida nacional da China.
É plausível considerar as reflexões de Lin Yutang e sua dose de ironia pensando no contexto do autor que faleceu quando a China se abriu, e nem por isso não ficou a par das planificações e do projeto que levaria seu país a cada cinco anos a caminhar um bocadinho mais adiante. Até que hoje de tão à frente carece, por vezes, de legenda, vídeos explicativos, animações.
Estamos em plena “sinoforia”, numa época em que o Brasil redescobre a China por sua tecnologia. Quem diria! Ou melhor, Lin Yutang não o diria, ele que afirmou a deficiência científica chinesa, que já cavalga às vésperas do ano do rato para novas fases de mais modernidades, nos impondo reflexões de relacionamento além dos alter egos do inconsciente.
O novo gênero literário chinês da ficção ultra-irreal nos provocam com as possíveis interações que teremos com as máquinas inteligentes artificialmente, robôs a reboque. Em toque de caixa, ou seja, feito às pressas. Estes saltos de certa forma também foram previstos por Lin Yutang, em suas afirmações, defendia a intuição. “O espírito chinês pensa por saltos e por ímpetos, e muitas vezes chega à mesma verdade, mas por caminho mais rápido, por pura intuição”.
Aonde o Rio é mais chinês? Em alter egos do inconsciente, em “Vista Chinesa (mirante com vista espetacular da cidade erguido em homenagem aos primeiros chineses na cidade), em muitos trechos, interações, contribuições, mas acima de tudo nas novas gerações de pura intuição e nos de outra época que traduzem esta festa. O Rio é mais chinês por ter sido o primeiro destino das embarcações ultramarinas chinesas, por ter em sua Floresta (Floresta da Tijuca) área dedicada ao plantio de chá. O legado histórico, arquitetônico e cultural da China no Brasil começou no Rio.
Ainda sobre a fotografia da exposição “Alter Egos do Inconsciente”. O evento realizou-se no Centro Cultural Laurinda dos Santos pela ocupação feminina “Ovárias”, coletivo de arte integrado e organizado por mulheres sob temas ligados ao universo feminino.