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Chen Jiagang: As ruínas do descontentamento

September 26, 2019

Chen Jiagang: As ruínas do descontentamento

Nos anos 60 do século passado, a China deslocalizou grande parte da indústria pesada e fábricas de armamento das zonas costeiras para o sudoeste e noroeste do país. À construção em grande escala de novas estruturas militares e de defesa, parte de uma estratégia nacional de preparação de guerra, deu-se o nome de “Terceira Frente”. Todo o processo levou a um êxodo em massa de trabalhadores em direcção a províncias como Sichuan, Guizhou ou Yunnan, e pequenos lugares, perdidos no mapa chinês, deram forma a cidades dormitórios para acolher a força laboral. Quase duas décadas mais tarde, as reformas económicas de Deng Xiaoping, que abririam o país ao mundo, tiveram um enorme impacto nestas regiões, levando ao encerramento súbito das fábricas, e convertendo estes pólos industriais em espaços obsoletos, cidades-fantasma, ruínas. O fotógrafo Chen Jiagang conservou essa imagem através da fotografia.
Nascido em 1962, em Chongqing, Chen começou a sua carreira profissional como arquitecto, até fazer a transição para a fotografia, a partir de 2000. É autor de várias séries fotográficas, entre elas a “Terceira Frente” e “Grande Terceira Frente”. A viver e a trabalhar em Pequim, Chen olha para a ruralidade chinesa e para a arquitectura industrial, num confronto entre o passado glorioso e a nostalgia do presente. As cores vão-se esbatendo, como se caminhássemos em direcção à extinção.
A apresentação desta selecção de fotografias no Extramuros resulta de uma colaboração mensal com o Photography of China (POC), portal em língua inglesa que dá a conhecer vários nomes da fotografia na China. Traduzimos também para português uma entrevista que Chen Jiagang deu em 2012 a Marine Cabos, fundadora e presidente do POC:

 

Formado em Arquitectura e responsável por um museu, Chen Jiagang 陈家刚  (nascido em 1962 em Chongqing) começou a sua actividade como fotógrafo em 2000. A partir de então, criou obras de arte avassaladoras, que misturam fotografia documentária e encenada. Este artista testemunhou as convulsões da sociedade chinesa e parece determinado em mostrar o seu país de forma honesta para devolver a memória dos seus cidadãos, enquanto assume a consciência da sua própria subjectividade e desejo de reinvenção. Cidades em ruínas, paisagens dilaceradas, fábricas abandonadas ou renascidas, todos esses lugares imbuídos de um passado histórico e presente incerto são registados e reinventados ao mesmo tempo. Chen gosta de acrescentar uma presença feminina diáfana a esse aparente caos urbano, pertencendo ambos a um passado histórico e à sua própria memória. Munido da sua câmara e da sua equipa, Chen cria fotografias em grande formato, captando o eco do passado, uma memória esquecida, uma concretização necessária. Apesar de uma agenda muito ocupada, Chen aceitou responder às minhas perguntas a 30 de Março de 2012.

As suas fotografias são na maioria a cores. No entanto, por vezes, usa o preto e branco. Porquê?
Raramente uso preto e branco, porque gosto muito da fotografia a cores. Mudar as cores permite-me expressar sensações, que emergem da minha própria subjectividade e intenção.

Muitas das fotografias revelam cidades em ruínas ou abandonadas. Esta preocupação com estas destruições em massa é partilhada com outros artistas. Acredita que no seu trabalho há uma espécie de ansiedade com a modernidade?
Seja em que país for, quando as pessoas têm uma mente forte, o comportamento em relação à natureza e ao ambiente vai além do desenvolvimento, e infelizmente as ruínas são inevitáveis. A imagem da ruína pode aparecer de forma diferente nas minhas fotografias, pode estar implícita no lixo, na neblina, etc. Independentemente da forma que adquira, em qualquer caso, isto evoca o meu descontentamento.

A série Silk Road parece fotografia pictórica ou shanshui (termo chinês que se refere à pintura tradicional paisagística). Foi buscar inspiração à tradição chinesa? A prática da referenciação é importante para o seu trabalho? 
Na verdade, todas as minhas fotografias exploram e usam a tradição chinesa e os seus princípios estéticos. Especialmente as noções de tempo e espaço encontradas na antiga filosofia, a perspectiva isométrica e a sobreposição de camadas de paisagem.

Quais são as semelhanças e diferenças entre a fotografia paisagística e essas antigas?
A fotografia de paisagem é semelhante àquela da paisagem dos letrados dos tempos antigos. É um escape para o artista que enfrenta desesperançado a realidade do mundo actual. Nesse sentido, as minhas paisagens referem-se ou ao passado ou às minhas experiências pessoais.

A poluição ambiental é também um dos temas que aparece frequentemente. Tinha intenção de abordar este assunto na sua série Silk Road?
Silk Road não levanta a questão da poluição ambiental. Em vez disso, aspira repensar no mundo de hoje sugerindo que outra forma de civilização pode ser a resposta para resolver muitos problemas culturais. Além disso, essa série propõe outra forma de decifrar a crise económica.

A neblina é um elemento recorrente no seu trabalho. O que significa? 
A neblina é sobretudo um símbolo das consequências de quando o homem saqueia os recursos naturais.

Teve algum problema na criação das séries Terceira Frente, A Grande Terceira Frente e Cidade do Smog? Suponho que houvesse quem tentasse impedir o retrato de certos lugares. 
Tive muitos problemas; houve muitos lugares onde não pude fotografar. A pior experiência que tive foi quando um grupo de pessoas armadas fez com que me retirasse de um sítio que eu queria fotografar.

Qual é a sua opinião sobre a fotografia chinesa contemporânea?
Encontra-se num lugar complicado, na minha opinião. Espero que se envolvam mais pessoas. Há poucos fotógrafos num país tão grande.

Tem um fotógrafo de eleição?
Gosto do fotógrafo checo Joseph Koudelka e da forma notável como fotografa a política e as pessoas.

Que expectativas tem para o futuro? 
Gostaria de criar mais dez séries, uma por ano, depois continuar por mais dez anos, e passar o resto da minha vida desta forma.