Pressão leva jovens chineses a pagar para serem elogiados
Académico defende que competição feroz e fraca mobilidade social enfrentadas pelos jovens chineses reforçou a presença virtual dos “grupos kua kua”, plataformas onde se paga para se ser elogiado.
Chamam-se “grupos kua kua” (夸夸群) e foram criados com um único objectivo: levantar a moral (“kua” significa elogiar). A participação num grupo destes é simples: compra-se uma sessão na internet, expõe-se um problema e espera-se por reacções e comentários positivos.
De acordo com o What’s on Weibo, um portal em língua inglesa que analisa o conteúdo das redes sociais na China, o fenómeno terá começado há cerca de seis anos em Xi’an, entre a comunidade de estudantes da Universidade Jiaotong – outra versão aponta para a Universidade Fudan de Xangai – quando um dos participantes de um chat pediu para ser elogiado.
Os louvores electrónicos rapidamente ganharam expressão no dia-a-dia da população com a criação de várias plataformas deste género. O sucesso poderá estar relacionado com a cultura chinesa, onde a humildade e a modéstia são considerados ideais na comunicação diária, aponta o What’s on Weibo. “Quando se faz um elogio, é comum na China rejeitar esse elogio ou sugerir que a pessoa que está a fazê-lo é muito melhor do que a elogiada”, escreve o portal.
Oito minutos de elogios por 50 yuan
O EXTRAMUROS comprou uma sessão de elogios na plataforma chinesa de comércio electrónico taobao. Das várias modalidades disponíveis, optámos por uma sessão de oito minutos pelo valor de 50 yuan (cerca de 6,5 euros). A nossa colaboradora Hermione Xu entrou num grupo de mais de cem pessoas, levantando uma questão fictícia, mas que tem estado em debate na sociedade chinesa: o sistema laboral 996, que impõe aos trabalhadores um horário de trabalho das nove da manhã às nove da noite, seis dias por semana.
“Trabalho das nove às nove, seis dias por semana, estou muito cansada. Todos os dias olho para o meu chefe e só tenho vontade de me demitir, mas não ouso fazê-lo, porque tenho o empréstimo da casa para pagar e uma criança para criar. A pressão é muito grande. Venho pedir que me elogiem”, escreveu.
“Este é o teu grupo nacional de fãs”, disse um dos participantes deste fórum. E ao longo dos oito minutos seguintes foram deixadas cerca de 300 mensagens positivas. “Olho para ti e sinto que não há nada que não seja bonito. Tu trazes beleza a tudo”, referiu outro utilizador. “Uma líder mundial” ou “Irmã, hoje tu és a protagonista, a estrela do céu, a lua que ilumina o mundo, e o mundo só existe para ti” foram outros elogios.
Lidar com a pressão do dia-a-dia
De acordo com Zhang Yiwu, professor de Literatura Chinesa na Universidade de Pequim, o fenómeno dos “grupos kua kua” está relacionado com a competição feroz e a fraca mobilidade social enfrentadas pelos jovens chineses. “Eles têm de trabalhar muitas horas extra para alcançarem apenas um pouco mais de sucesso”, defendeu Zhang, citado pelo jornal de Hong Kong South China Morning Post.
“Às vezes quem paga pelos elogios sabe que é mentira, mas é uma mentira que deixa alguém feliz. Por vezes as pessoas querem ouvir uma mentira, porque o mundo tornou-se num espaço gélido”, analisa a nossa colaboradora Hermione Xu, referindo ainda que estão definidos vários grupos alvo destes chats motivacionais, incluindo família, amigos, colegas de escola ou de trabalho. “Outro grupo são homens que pagam sessões de elogios às namoradas para deixar que estas cem pessoas façam o trabalho que lhes compete”, nota Xu. E conclui: “Antes da tua sessão terminar, o grupo é capaz de te lembrar que o tempo está a acabar, que podes fazer screen shot da conversa e que mais tarde podes ler todos os elogios que te foram feitos. Podem mesmo dizer-te: vamos ter saudades tuas, por favor, regressa”.