A China e a segunda fase da revolução tecnológica
O percurso e a estratégia para o crescimento econômico e o desenvolvimento dos Tigres Asiáticos, termo utilizado para designar o grupo formado por Hong Kong, Taiwan, Coréia do Sul e Cingapura, também foi implementado na China. Os tigres deram vazão ao dragão e, desde então, a imagem mitológica associada à China perdeu-se neste clichê.
O símbolo que remete para a China evoca a força e a qualidade de nove partes de animais diferentes para então compor um, uma fusão, o dragão. Fundiram esta criatura em fitilhos e nós chineses e vermelhos, e esta imagem disposta em associação a portas dinásticas douradas abertas foi eleita como o símbolo do subconsciente coletivo para a China moderna.
Por anos funcionou e faz anos que não se contemplam outras. Durante o período que morei em Beijing (2004-2013), presenciei as transformações de uma China majoritariamente rural e analógica para uma urbana pós-tecnológica. O pólo das empresas de tecnologia concentradas na capital chinesa tornou-se hub e referência mundial. Começaram como laboratórios para a execução e desenvolvimento de projetos para empresas estrangeiras.
Integrei equipes em empresas chinesas de tecnologia, em projetos como o google maps, na época anterior ao episódio de desentendimento que fez encerrar as operações no país. Beijing oferecia o ambiente e as condições ideais para que projetos como este fossem realizados, como o de reunir a variedade de 30 profissionais de diferentes nacionalidades com a expertise exigida. Já os chineses trabalhavam a um custo comparativamente menor aos praticados em países da Europa e mesmo nos Estados Unidos.
Foi assim também em trabalhos com jogos Xbox, jogos chineses vendidos por facebook, ou num novo sistema operacional para smartphones, o Lumia da Nokia, que prometia quebrar a bipolaridade entre Android e IOS e que, na iminência de ser lançado, foi engavetado. A condição de permitir-se experimentar no acolher do que lhe era até então incipiente a nutriu de componentes, serviu de quintal para testes e hoje inova em soluções high tech.
Passado o furor olímpico, a China deu continuidade ao clima das competições, aperfeiçoaram-se em ser campeões, porque gostam de liderar rankings, de estar em evidência nos pódios. Não sem antes muito observar, treinar, praticar, falhar, adaptar e inovar, de modo a que funcione ao menos para o contexto deles. Habituaram-se nesta disciplina que é saber se preparar.
Aprenderam a saltar adiante frente às adversidades e principalmente às desilusões, promovem pequenas revoluções. A experiência da passagem do analógico, marcado por uma infinidade de papéis e comprovantes carimbados em vermelho, rumo à segunda fase da revolução tecnológica, caracterizada pela aplicação da inteligência artificial, biotecnologia realidade virtual, 5G soa futurista sendo presente, atual.
Surgem agora tensões destas questões, sugerindo conspirações e o reforço dos preconceitos comuns associados à China, como a barreira da grande muralha relacionada ao bloqueio de conteúdos tidos como sensíveis. Existem, e fazem o ramo dos serviços de VPN uma prática comum, a ponto de serem utilizados por um jornal chinês de circulação nacional publicado também em inglês.
O fato do país se ter tornado auto-suficiente incomoda o Ocidente. Mark Zuckerberg, por exemplo, se fez atleta indo correr na Praça de Tiananmen num dia em que os índices de poluição indicavam que era “extremamente não saudável” sair sem máscara; e proferiu discursos em mandarim como estratégia para tentar implementar o facebook na China. Não teve sucesso. Os chineses desenvolveram o ren-ren num primeiro momento, popularizaram o wechat que permite muito mais do que apenas o envio de mensagens. Esta app permite, entre outras funções, transações bancárias. Depois, possuem o QQ, o Baidu, o Youku, o Tencet, o grupo Alibaba. Não sentem falta de quase nada.
As preocupações de segurança cibernética da China não se limitam apenas ao acesso ou ao fluxo de informações, big data, mas estendem-se ainda ao cenário tecnológico onde o governo se foi tornando cada vez mais cauteloso em relação a gadgets, softwares, chips de computador. Previnem-se das tecnologias estrangeiras, em especial depois das revelações feitas por Edward Snowden.
A China enfrenta a mesma represália do seu maior oponente, os Estados Unidos. Estão trocando farpas, acusações e pedido de prisões, como a que envolveu a executiva Meng Wanzhou, diretora financeira da Huawei.
O risco de banir empresas chinesas pode isolar os EUA da economia digital do futuro, além de comprometer o mercado das empresas americanas na China, sendo que 20% das receitas da Apple vêm do país asiático. De lá para cá seguem as disputas de braços pelo ciberespaço.