“Pearl Harbor, Lisboa, Tóquio” e a relação de Morishima Morito com Macau
O mercado livreiro português é reduzidíssimo, já se sabe. Diz-se que dos cerca de dez milhões de habitantes de Portugal, os leitores de livros não passarão dos dez mil. Sendo assim, publica-se muito mais o que promete vender e muito menos o que se sabe de antemão que terá pouco interesse para esse diminuto universo.
Creio que apenas isso justifica o facto do livro de que vamos falar aqui ter esperado quase 70 anos para ser traduzido para português. E mesmo essa tradução deveu-se a um facto fortuito: uma estudante interessada e um familiar editor que achou graça ao tema e arriscou publicar e eventualmente carregar com os prejuízos do atrevimento.
O livro chama-se “Pearl Harbor, Lisboa, Tóquio”. O autor Morishima Morito foi o embaixador do Japão nos Estados Unidos até ao bombardeamento de Pearl Harbour e igualmente embaixador em Lisboa depois disso e até à derrota final do Japão. Para além de diplomata, era um mestre da espionagem que montou uma inovadora antena de “inteligence” em Lisboa.
Esta antena manteve informado Tóquio sobre os destinos da guerra, com relatórios precisos, não só sobre questões de defesa, mas também sobre novas tecnologias, avaliações económicas e estatísticas, enfim, um conjunto de informações sobre temas diversos que peritos recolhiam na capital portuguesa de fontes clandestinas, ou das páginas de jornais e revistas internacionais que os donos dos quiosques lisboetas guardavam para eles.
Estes agentes tinham, aliás, uma metodologia rigorosa na obtenção de informações, estando a cada um reservado um café da baixa, onde se sentavam quotidianamente para participar nas tertúlias que então, como sempre, estavam na moda, concedendo porventura algum cosmopolitismo à discussão.
Mas para além do interesse geral que esta obra desperta, há nela um particular interesse no que a Macau diz respeito. De facto, o embaixador, enquanto esteve em Lisboa teve de tratar da questão de Timor-Leste, ocupada militarmente pelo Japão, e também de Macau quando estalou o caso do assassinato do cônsul japonês ao regressava a casa ao fim da tarde na calçada da Guia junto ao que é hoje o Hotel Royal, a dois passos do jardim Vasco da Gama.
O caso deu que falar em todo o mundo, provocando um conflito diplomático entre Lisboa e Tóquio que só a rendição do império do Sol Nascente permitiu que fosse resolvido sem consequências de maior.
Mas neste livro, Morishima Morito revela o verdadeiro papel de Macau no periclitante relacionamento político e diplomático entre Lisboa e Tóquio relativamente ao caso de Timor, nomeadamente quando Salazar exigiu ao governo nipónico que autorizasse a deslocação a Timor de uma missão de observação para inquirir das condições ali prevalecentes.
Foram precisos cerca de três meses para elaborar o plano dessa deslocação com trocas de comunicações entre Lisboa, Tóquio, Macau e Timor. Como os militares japoneses tinham apreendido a estação de rádio local, não foi possível comunicar directamente com Timor, diz Morito. Até que na Primavera de 1944 um militar português (capitão Carlos de Sousa Gorgulho) lá foi enviado de Macau a Timor. O relatório de observação que levou a cabo chegou a Lisboa no Verão, e através dele ficou a saber-se que as tropas japonesas no local ignoraram por completo o plano de observação acordado entre o Japão e Portugal e mandaram-no embora ao fim de uma semana, encurtando-lhe o prazo de visita. Além disso, só o deixaram observar dois locais onde estavam acomodados funcionários públicos e civis portugueses. “Aconteceu aquilo que Salazar receava e o envio de observadores ficou sem efeito”, conclui Morishima Morito no seu relato.
Este é apenas um dos episódios ligados a Macau que o autor desvenda nas 169 páginas do livro (que é bem mais do que uma obra memorialista), dado à estampa em 2017 pela editora Ad Litteram.
Para quem se interessa pela história de Macau e particularmente pelo período da Guerra do Pacífico é obra de leitura imprescindível.
Sobre a obra
Título
Pearl Harbor, Lisboa, Tóquio
Autor
Morishima Morito
Edição
Ad Litteram, 2017
Língua
Português
– Originalmente publicado em 1950, Iwanami Shoten, Publishers, Tóquio