Água de Bruce Lee, mar de Zambujo em Rio de Janeiro camará
Vinha na semana de novembro próxima à data do aniversário de Bruce Lee, artista e filósofo de Hong Kong, a pensar em água, a observar o mar. Santa Teresa, pitoresca, localizada no alto de uma serra, entre as zonas sul e central da cidade, ao lado de Glória e também de Catete que em seu palácio sediou a presidência da república brasileira. Logo quase logo à frente, o bairro da Lapa, onde estão os Arcos, o aqueduto que leva água de Santa Teresa ao centro. Ali, embaixo dos arcos das águas foi que vi o anúncio do concerto de António Zambujo na cidade.
Santa Teresa. A principal característica do bairro é o bonde, principal por ser exclusiva. Somente em Santa os bondes continuam possíveis por existirem. Pois foi justamente por causa do bonde, a música, que Zambujo a mim pontualmente chegou, já tinha chegado antes em outras canções. Foi assim que, pensando em Bruce Lee, encontrei com António Zambujo em Santa Teresa a cruzar perto do ponto do bonde.
Bruce Lee era filósofo, deixou o holofote hollywoodiano projetar seu lado marcial no afã de levar sua tradição oriental do pensar. Pensava em maneiras de sermos água, sem forma ou contorno, deixando-nos ser, fluir ou destruir, instinto e intelecto, harmonia das polaridades binárias. Propunha a pororoca, entendiam chafariz. E assim, o estrondo, o fenômeno natural do encontro das águas de um rio com o oceano virou para a indústria cultural norte-americana uma onda. Assim o entenderam e assim Lee ficou sem ser lido.
No Rio, António Zambujo veio com Tanto Mar, veio a cantar repertório de Chico Buarque, veio também em Santa Teresa. Chegou quase em dia de celebrar por cá a deusa dos ventos, Oyá. Veio apurar quiçá aonde o Rio pode ser também o Tejo, veio revisitar e chamar nosso olhar para a versão portuguesa cantada do que nos é Buarque de Holanda. Do que somos e do que podem ser em parte também as Raízes do Brasil.
O encontro dado mentalmente entre Bruce Lee e António Zambujo no Rio de Janeiro trouxe muita água à tona. Pororoca entre tempos, relações e presenças. Atemporais nas imagens dos postais, nas cenas gerais, no imaginário coletivo construído de China em artes marciais de Bruce Lee, de Brasil em Rio de Garota de Ipanema, a sedução de clássicos é de fácil encantamento.
Rio de Kong, Macau, Hong de Janeiro, hibridismos mais demorados de cotidiano. O querer é preciso, há certa ilusão, turistas que chegam e outros que se vão. Pelas tantas, os suspiros, maçanetas, paralelepípedos, árvores frondosas, frutas fartas, outeiros, saias de pregas em uniformes, sotaques com chiados, vento e mar, velocidade do sol. Assobios, melancia, chá-mate, ar condicionado já em primavera. Fogos de artifício para a virada de ano. Vermelho é alegria, branco é superstição, um inusitado aumento nas vendas dos vestuários no verão, réveillon. Boa disposição, banquetes, brindes, certa animação. Lichia, jaca em durian, cigarras. Templos, fauna no jogo, fitoterápicos, previsão. Sem contornos, transcorrendo águas, sabedoria das marés, Rio – Yangtzé.
Foto: Bonde de Santa Teresa – Fernanda Ramone